Uma lembrança da maior tragédia ambiental no Brasil
O Rio Doce, apesar de não ter sido muito divulgado, já estava precário mesmo antes da tragédia com as barragens em Mariana, isso devido ao desmatamento, poluição, assoreamento, construção das barragens, pesca predatória e a introdução das espécies exóticas, a reportagem onde essa afirmação é divulgada se encontra no jornal O Estadão de São Paulo e foi escrita por Herton Escobar, em 22/11/2015. Porém, mesmo com todos esses problemas, ele era um rio vivo, com uma grande diversidade de espécies, mas agora já não mais, agora a lama é o novo cenário que antes era composta por água e vida.
Esta lama que recobriu o Rio Doce, é possivelmente composta por metais em quantidades absurdas, porém apesar do medo da população, ainda não se sabe ao certo o quanto isso prejudicará a longo prazo a biota e a população ribeirinha, a Samarco afirma ser apenas lama, porém mesmo sendo só lama, o impacto é enorme. Quando a lama chegou no mar, em 16 dias e 650 Km depois do estouro das barragens de mineração da Samarco em Mariana- MG, tanto os pesquisadores quanto as autoridades começaram a adotar um discurso de restauração em grande escala de toda a bacia hidrográfica do Rio Doce, e não apenas da remoção da lama, mas aproveitar isso como uma oportunidade para testar um grande processo de recuperação ambiental.
O Diretor da Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas - DBFLO, do Ibama, ressalta que a recuperação do rio deve levar no mínimo uma década, mas que é possível pois apesar da grande mortandade de peixes, o Rio Doce possui muitos afluentes em Minas Gerais que podem ter servido como rota de fuga para muitos animais, e nesse caso poderão repovoar a calha principal do rio quando o impacto maior se dissipar. Enquanto que no Espirito Santo a situação é mais complicada, pois existem poucos afluentes e por isso, a estratégia adotada foi a coleta de amostras de espécies do rio antes da chegada da lama, e manter esses espécimes em cativeiro para uma futura reintrodução.
Segundo o biólogo Dante Pavan, coordenador do grupo independente de Análises de Impacto Ambiental- Giaia, a região corre risco de tornar-se uma nova Cubatão, pois mesmo que a lama não seja tóxica, vai destruir toda a base alimentar do rio e a estrutura ecológica do sistema terá que ser toda reconstruída.
Outro problema que surgiu com a tragédia é de impacto econômico e social, onde as pessoas que dependiam da pesca foram prejudicadas e tiveram que procurar outra forma de sustento, pois estima-se que a pesca estará comprometida por pelo menos 10 anos.
Com relação as questões jurídicas do problema, houve uma contrariedade onde a Justiça Estadual não respeitou o decreto anterior da Justiça Federal, que por meio de liminar, havia obrigado a Samarco a impedir que a lama chegasse no mar sob pena de multa de 10 milhões de reais por dia, já a Justiça Estadual do Espírito Santo determinou que a Samarco deveria tomar todas as providencias necessárias para facilitar o escoamento da lama no mar, onde ela se dispersaria mais facilmente.
Segundo especialistas, a foz do Rio Doce é um importante celeiro de nutrientes para a biota marinha, como o golfinho pontaporia, baleia jubarte e a tartaruga de couro, ou seja, o desastre afetou a biota marinha também. Em uma entrevista com a BBC, o biólogo André Ruschi afirmou que o contato da lama com o mar equivale a "dizimar o Pantanal". Já o Ministério do Meio Ambiente previu um cenário menos drástico, onde a lama atingiria uma área de 9 Km de mar ao longo do litoral do Espirito Santo, essa estimativa foi baseada pelo grupo de pesquisas do oceanógrafo Paulo Rosman da UFRJ.
Segundo Márcia Brandão Carneiro Leão, professora de Direito Internacional, é difícil estabelecer um corte no tempo para começar a falar dos absurdos e irresponsabilidades envolvidas no rompimento das barragens de rejeitos em mineração da Samarco, porém o ideal talvez seja começar pelo licenciamento, a Barragem de Santarém em Bento Rodrigues (a segunda que se rompeu e em seguida a do Fundão na mesma data) estava com a Licença de Operação vencida desde 2013, assim como a Mina do Germano, que faz parte do mesmo complexo. No mesmo ano, o Ministério Público Federal (baseado num laudo produzido pelo Instituto Pristino) alertou para os riscos de desestabilização e da potencialização de processos erosivos provocados pelo contato entre a pilha de rejeitos e a barragem do Fundão, enquanto isso as autoridades ambientais do Estado de Minas Gerais, mesmo com as advertências, asseguraram que tudo estava na mais perfeita ordem e dentro da legalidade.
Com isso tudo, podemos supor que quando a lei não é cumprida e o dinheiro fica acima do bem comum, tragédias como essas acontecem, onde mais de 500,000 pessoas ao longo de 23 municípios ficaram com o abastecimento de água comprometidos, inúmeras espécimes e micro ecossistemas foram devastados, uma bacia hidrográfica inteira afetada, a economia da região comprometida, espécies endêmicas extintas, biota marinha comprometida e até mesmo a morte de pelo menos 19 pessoas.
Isso faz ou deveria fazer, com que muitas pessoas repensem na forma como administramos os nossos bens mais preciosos, aqueles que advêm da natureza, em especial a água, e fica a esperança que tragédias como essa não se repitam novamente, além da torcida para que o Rio que era Doce, se torne Doce mais uma vez.
Fonte: Dossiê sobre o rompimento da Barragem do Fundão em Mariana – MG e suas consequências para a Bacia do Rio Doce, a quinta bacia hidrográfica do Brasil, artigos catalogados por Pe. Nelito Dornelas, membro da Comissão do Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana.