"Água se planta!"
A frase dita com convicção e otimismo, apoiada no recurso metafórico e até mesmo poético, é de autoria do cientista e agricultor suíço Ernst Götsch, que desde 1982 reside no Brasil, em uma fazenda na cidade baiana de Piraí do Norte. Ernst é o idealizador e o principal responsável pela crescente popularização da Agricultura Sintrópica, um conjunto de conhecimentos teóricos e práticos que vêm sendo aplicados em Sistemas Agroflorestais Sucessionais, os quais preconizam uma agricultura de processos, e não de insumos, propiciando agroecossistemas com saldo positivo energeticamente, gerando ao mesmo tempo abundância de alimentos livres de contaminantes, recuperação e preservação da cobertura vegetal do bioma onde estão inseridos, além da promoção de valores socioambientais baseados nos princípios que verdadeiramente orientam iniciativas sustentáveis.
A primeira experiência do pesquisador suíço no Brasil foi com a sua propriedade, a então “Fazenda Fugidos da Terra Seca”, nome que era uma crônica da realidade local. Aproximadamente 500 hectares de terra exaurida, improdutiva e abandonada por conta de práticas impróprias de corte de madeira, repetidos ciclos de mandioca nas encostas dos morros, suinocultura nas partes mais baixas, e uma larga formação de pastagens antecedidas por queimadas. Mantendo-se firme nos seus experimentos com agrofloresta, inicialmente obteve resultados satisfatórios e pôde sustentar sua família com a renda dos primeiros cultivos. Atualmente, cerca de 35 anos depois, a Fazenda possui 410 hectares reflorestados, com todas as características de flora e fauna da Mata Atlântica, dos quais 350 foram transformados em RPPN, além de 120 ha de Reserva Legal. Além do que, fazendo referência ao título que inspirou esse texto, aproximadamente 14 nascentes reapareceram na propriedade, a qual teve o seu nome modificado para “Fazenda Olhos d´Água”.
2.474 km desde o município de Piraí do Norte em direção ao sul do país, na cidade paranaense de Foz de Iguaçu, em 2003, um grandioso projeto foi iniciado, culminando em 2015 com o recebimento do prêmio da ONU de melhor gestão dos recursos hídricos do mundo, por diversos fatores, mas principalmente pela recuperação de 800 nascentes na região. Trata-se do Programa Cultivando Água Boa, o qual abrange 20 programas e 65 projetos/ações desenvolvidos no território da Bacia Hidrográfica do Rio Paraná 3 (BP3), região que inclui 29 municípios, área total de 8.000 km² e mais de 1 milhão de habitantes. Integrando aspectos ambientais, sociais e econômicos, o Cultivando Água Boa implantou e/ou recuperou 1.300 km de matas ciliares, plantando 3,5 milhões de mudas de espécies nativas. A poluição das águas foi significativamente diminuída, através do controle da erosão do solo cultivado, terraceamento, adequação de estradas, instalação de abastecedouros comunitários para os equipamentos agrícolas e destinação adequada dos efluentes das atividades agropecuárias, conservando ativamente 28.528 ha de solos. Tamanha efetividade se dá, em suma, porque “o programa promove a gestão por bacia hidrográfica (atua por bacia, sub-bacias e microbacias hidrográficas) de forma integral e integrada, com abordagem sistêmica, com amplo processo participativo, de cidadania, de responsabilidade compartilhada (envolve, numa enorme rede de parceiros, milhares de atores locais, quer econômicos, sociais, políticos, ambientais e culturais).
Centenas de milhares de pessoas puderam confirmar empiricamente o que certamente muitos deles já sabiam por meio de sua vivência tradicional e secular: água e floresta estão intimamente correlacionados.
Que esses “plantadores de água” se multipliquem Brasil afora! Fontes: www. agendagotsch.com; www.cultivandoaguaboa.com.br